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Hipossexualidade no TDAH: Uma Análise de Evidências

  • Foto do escritor: Giovânni Lima Valle da Costa
    Giovânni Lima Valle da Costa
  • 18 de abr.
  • 9 min de leitura

Por Giovânni Lima Valle da Costa, Psicólogo(UFPEL), Especialização em Práticas Baseadas em Evidência em Psicologia Clínica (InPBE) e Especialização em TCC (PUC-RS)


O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurodesenvolvimental comum, caracterizado por padrões persistentes de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interferem no funcionamento e desenvolvimento 1. Embora extensivamente estudado em relação aos seus impactos cognitivos e comportamentais, a influência do TDAH na saúde sexual tem recebido comparativamente menos atenção 1. A prevalência do TDAH na população adulta e seu potencial para afetar diversos aspectos da vida, incluindo relacionamentos íntimos, sublinham a importância de investigar a sua possível ligação com a saúde sexual.


A hipossexualidade, por sua vez, é definida como um desejo sexual persistentemente baixo ou ausente, o que pode levar a sofrimento significativo ou dificuldades interpessoais 2. É importante notar que a hipossexualidade não é um critério diagnóstico formal para o TDAH, mas a sua coexistência pode ter implicações importantes para a qualidade de vida dos indivíduos afetados 2. Este relatório visa analisar a evidência disponível sobre a relação entre hipossexualidade e TDAH, explorando os mecanismos potenciais subjacentes e discutindo as implicações clínicas desta complexa interação.


A hipossexualidade, também conhecida como transtorno do desejo sexual hipoativo, caracteriza-se por uma falta ou deficiência persistente ou recorrente de fantasias sexuais e de desejo por atividade sexual, causando sofrimento acentuado ou dificuldades interpessoais 2. Esta condição pode manifestar-se através de diversos sintomas, incluindo a ausência de fantasias sexuais, a falta de desejo ou interesse em iniciar ou responder a estímulos sexuais, e a dificuldade em manter o interesse durante a atividade sexual 2. É crucial compreender que a hipossexualidade pode ser primária, presente ao longo da vida do indivíduo, ou secundária, desenvolvendo-se posteriormente. Além disso, pode ser generalizada, afetando todas as situações e parceiros, ou situacional, manifestando-se apenas em contextos específicos 4.


As causas da hipossexualidade são multifacetadas e podem envolver uma interação complexa de fatores psicológicos, relacionais, médicos e farmacológicos 2. Fatores psicológicos como stress, ansiedade, depressão e problemas de autoestima podem desempenhar um papel significativo na diminuição do desejo sexual 2. Dificuldades nos relacionamentos íntimos, incluindo conflitos, falta de comunicação e problemas de intimidade emocional, também podem contribuir para a hipossexualidade 6. Adicionalmente, certas condições médicas, como desequilíbrios hormonais, doenças crónicas e dor, podem afetar o desejo sexual 6. É importante destacar que os efeitos colaterais de alguns medicamentos, particularmente antidepressivos como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), são uma causa comum de diminuição da libido 2.


O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurodesenvolvimental que se manifesta através de três características essenciais: desatenção, hiperatividade e impulsividade 2. A desatenção pode apresentar-se como dificuldade em manter o foco em tarefas ou atividades, problemas em seguir instruções e completar tarefas, facilidade em distrair-se por estímulos externos e esquecimento de atividades diárias 7. A hiperatividade manifesta-se frequentemente como agitação motora excessiva, dificuldade em permanecer sentado e uma sensação de estar constantemente "a mil" 7. A impulsividade, por sua vez, pode traduzir-se em tomar decisões precipitadas sem considerar as consequências, dificuldade em esperar a sua vez e interromper frequentemente os outros 7. É fundamental reconhecer que a apresentação destes sintomas pode variar significativamente entre indivíduos e ao longo do ciclo de vida 7.


O TDAH é frequentemente classificado em três subtipos principais: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e combinado 8. Um estudo observou que uma proporção significativa de homens com hipersexualidade e TDAH apresentava o subtipo predominantemente desatento 8. Esta observação sugere uma possível ligação entre diferentes apresentações do TDAH e comportamentos sexuais, embora sejam necessárias mais investigações para compreender plenamente esta relação. Além das características centrais do TDAH, é comum a ocorrência de comorbidades, como ansiedade, depressão e transtornos de humor 2. Estas condições coexistentes são importantes, pois podem influenciar a saúde sexual de forma independente.


A relação entre TDAH e desejo sexual é complexa e multifacetada, com evidências que sugerem que o TDAH pode estar associado tanto a um desejo sexual diminuído (hipossexualidade) quanto aumentado (hipersexualidade) 2. Esta variabilidade indica que a ligação entre o TDAH e a sexualidade não é linear e provavelmente influenciada por uma série de fatores.


No que diz respeito à hipossexualidade, indivíduos com TDAH podem experienciar um desejo sexual reduzido devido a vários fatores relacionados com a própria condição 2. A dificuldade de concentração, uma característica central do TDAH, pode tornar desafiador o envolvimento pleno com as sensações físicas e emocionais durante a atividade sexual, levando a uma diminuição do interesse 2. Adicionalmente, a fadiga mental e a exaustão resultantes do esforço constante para gerir os sintomas do TDAH podem diminuir a energia e o desejo de participar em atividades sexuais 2.


Por outro lado, o TDAH também tem sido associado à hipersexualidade, caracterizada por um desejo sexual invulgarmente elevado 1. A impulsividade, um sintoma fundamental do TDAH, pode levar a comportamentos sexuais impulsivos e à busca constante por novas experiências sexuais 1. Além disso, alguns indivíduos com TDAH podem utilizar a atividade sexual como uma forma de autorregulação, buscando a libertação de endorfinas e a mobilização de neurotransmissores para aliviar a inquietação e o stress frequentemente associados ao transtorno 1.


Os sintomas centrais do TDAH podem impactar a função sexual de várias maneiras. A dificuldade em manter a atenção e o foco pode prejudicar significativamente a experiência sexual 2. A mente pode divagar durante a intimidade, tornando difícil o envolvimento pleno com as sensações físicas e emocionais, o que pode diminuir o prazer e a satisfação para ambos os parceiros 2.


A impulsividade associada ao TDAH pode, por sua vez, levar a comportamentos sexuais de risco, como ter relações sexuais desprotegidas ou múltiplos parceiros 1. Embora este aspeto não esteja diretamente relacionado com a hipossexualidade, sublinha o impacto mais amplo do TDAH na saúde sexual e nas decisões relacionadas com a intimidade.


A hipersensibilidade sensorial e as alterações de humor, que podem ser características do TDAH, também podem influenciar o desejo sexual e a interação com parceiros íntimos 2. A hipersensibilidade ao toque pode tornar certas formas de intimidade física desconfortáveis ou até dolorosas, enquanto as flutuações de humor podem afetar a disposição geral para a intimidade e a conexão emocional 2.


Adicionalmente, os sintomas do TDAH podem dificultar a formação e manutenção de relacionamentos íntimos 2. Dificuldades na comunicação, problemas de organização e gestão do tempo, e a própria impulsividade podem criar desafios nas parcerias românticas, o que, indiretamente, pode influenciar o desejo sexual e a frequência da atividade sexual.


A medicação utilizada no tratamento do TDAH também pode ter um impacto significativo no desejo sexual. Os medicamentos estimulantes, frequentemente prescritos para o TDAH, podem ter efeitos variáveis na libido 3. Alguns indivíduos relatam um aumento do desejo sexual, enquanto outros experienciam uma diminuição 3. Curiosamente, algumas fontes sugerem que estes medicamentos podem até melhorar a função sexual em alguns casos, ao aumentar a capacidade de concentração 10.


Por outro lado, os antidepressivos, frequentemente utilizados para tratar comorbidades do TDAH como a ansiedade e a depressão, são mais propensos a causar uma diminuição da libido, contribuindo para a hipossexualidade 2. É crucial que os indivíduos que experienciam efeitos colaterais sexuais relacionados com a medicação discutam estas preocupações com o seu médico. Ajustes na dose ou a mudança para um medicamento diferente podem ser opções viáveis para mitigar estes efeitos 3.


Vários estudos têm investigado a prevalência de dificuldades sexuais na população com TDAH. A evidência sugere que indivíduos com TDAH reportam uma maior prevalência de disfunções sexuais em comparação com a população em geral 1. Estas disfunções incluem dificuldades com o orgasmo, problemas de ereção e uma menor satisfação sexual global 1. Um estudo específico revelou que 39% dos homens e 43% das mulheres com TDAH apresentavam sintomas de disfunção sexual, em comparação com 13,3% dos homens e 17,5% das mulheres na população geral alemã 15.


Categoria de Disfunção Sexual

TDAH (Homens)

TDAH (Mulheres)

População Geral (Homens, Alemanha)

População Geral (Mulheres, Alemanha)

Sintomas de Disfunção Sexual

39%

43%

13.3%

17.5%

Embora o termo "hipossexualidade" nem sempre seja explicitamente utilizado nos estudos, muitos mencionam a baixa libido e a diminuição do desejo sexual como experiências comuns em indivíduos com TDAH 2. Algumas pesquisas indicam que cerca de 40% dos homens e mulheres com TDAH experienciam algum tipo de problema sexual, o que pode incluir a hipossexualidade 10. A comparação com a população geral, conforme indicado nos estudos, sugere uma maior probabilidade de dificuldades sexuais, incluindo potencialmente a hipossexualidade como parte de um espectro mais amplo de disfunções sexuais, em indivíduos com TDAH 11.


Existem várias estratégias de enfrentamento e opções de tratamento que podem ajudar indivíduos com TDAH que experienciam hipossexualidade. A comunicação aberta e honesta com o parceiro é fundamental 2. Partilhar as dificuldades e os sentimentos pode promover a compreensão e o apoio mútuo, fortalecendo a intimidade emocional e física 2.


Ajustar o ambiente e a rotina para minimizar distrações durante a atividade sexual pode ser benéfico para indivíduos com TDAH 2. Priorizar momentos de intimidade na rotina diária também pode ajudar a garantir que a conexão sexual não seja negligenciada 2.


A terapia sexual e a psicoterapia, particularmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), podem ser abordagens eficazes para lidar com questões relacionadas ao desejo e à função sexual 2. A terapia pode ajudar a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento negativos que podem estar a contribuir para a hipossexualidade 14.


É crucial discutir quaisquer efeitos colaterais da medicação com o médico assistente 3. Ajustes na dose ou a consideração de alternativas medicamentosas podem aliviar a diminuição da libido associada a certos fármacos 3.


Outras estratégias podem incluir a prática regular de exercícios físicos, que pode melhorar o foco e o humor, impactando positivamente a saúde sexual 3. No caso de coexistência de hipersexualidade, o autocuidado e a busca de atividades alternativas para a estimulação podem ser úteis 14.

A hipossexualidade pode ter um impacto significativo nos relacionamentos íntimos 2. A falta de desejo sexual num dos parceiros pode levar a frustração, ressentimento e conflitos, afetando a dinâmica geral do relacionamento 2.


É essencial que ambos os parceiros desenvolvam uma compreensão do papel do TDAH e dos seus potenciais efeitos na sexualidade 2. A empatia e o apoio mútuo são cruciais para navegar nestes desafios de forma construtiva 2.


Mesmo na ausência de um desejo sexual intenso, existem várias maneiras de fortalecer a intimidade física e emocional 2. O carinho, o toque não sexual, a comunicação aberta e a partilha de experiências podem ajudar a manter a conexão e a proximidade entre os parceiros 2.


Em conclusão, a relação entre TDAH e hipossexualidade é complexa, influenciada pelos sintomas do TDAH, pelos efeitos da medicação e por fatores psicológicos e relacionais. A evidência sugere que indivíduos com TDAH podem apresentar tanto um desejo sexual diminuído quanto aumentado, e que as dificuldades sexuais são mais prevalentes nesta população do que na população em geral. É fundamental que os profissionais de saúde abordem a saúde sexual como parte integrante da avaliação e do tratamento de indivíduos com TDAH, uma vez que estas questões são frequentemente negligenciadas 11.


Pesquisas futuras devem focar-se na determinação da prevalência exata da hipossexualidade em diferentes subtipos de TDAH e na avaliação da eficácia de diversas intervenções terapêuticas 2. Apesar dos desafios, com o apoio adequado, comunicação aberta e estratégias de enfrentamento eficazes, indivíduos com TDAH podem alcançar vidas sexuais satisfatórias 2.

Referências citadas

  1. Let's Talk about Sex… and ADHD: Findings from an Anonymous ..., acessado em março 18, 2025, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9915044/

  2. Effects of ADHD on Sexuality - Healthline, acessado em março 18, 2025, https://www.healthline.com/health/adhd/adult-adhd-sex-life

  3. How Might ADHD Affect Sexuality? - ISSM, acessado em março 18, 2025, https://www.issm.info/sexual-health-qa/how-might-adhd-affect-sexuality

  4. ADHD and sexuality: Effects, dysfunction, sex drive, and more, acessado em março 18, 2025, https://www.medicalnewstoday.com/articles/321860

  5. 8 ADHD symptoms that affect your sex drive - Inflow, acessado em março 18, 2025, https://www.getinflow.io/post/sex-drive-libido-adhd

  6. Treatment of Hypoactive Sexual Desire Disorder Among Women: General Considerations and Pharmacological Options - PubMed Central, acessado em março 18, 2025, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8412154/

  7. Transtorno de deficit de atenção/hiperatividade (TDAH) - Pediatria ..., acessado em março 18, 2025, https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/dist%C3%BArbios-de-aprendizagem-e-desenvolvimento/transtorno-de-deficit-de-aten%C3%A7%C3%A3o-hiperatividade-tdah

  8. ADHD and Hypersexuality in Relationships - Verywell Health, acessado em março 18, 2025, https://www.verywellhealth.com/working-through-adhd-and-hypersexuality-in-relationships-5207993

  9. Manejo do transtorno do desejo sexual hipoativo em mulheres no ambiente ginecológico - FEBRASGO POSITION STATEMENT, acessado em março 18, 2025, https://www.febrasgo.org.br/images/pec/FPS---N5---Maio-2021---portugues_v2.pdf

  10. ADHD: Is It to Blame for Your Sexual Issues? - WebMD, acessado em março 18, 2025, https://www.webmd.com/add-adhd/adhd-sexual-problems

  11. Sexuality in Adults With ADHD: Results of an Online Survey - PMC, acessado em março 18, 2025, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9148957/

  12. How ADHD Influences Your Sex Life and Intimate Relationships - Psychology Today, acessado em março 18, 2025, https://www.psychologytoday.com/us/blog/sex-esteem/202210/how-adhd-influences-your-sex-life-and-intimate-relationships

  13. How ADHD Can Affect Your Sex Life - Verywell Mind, acessado em março 18, 2025, https://www.verywellmind.com/sex-drive-and-adhd-in-adults-20417

  14. ADHD & Hypersexuality: Understanding the Connection - Choosing Therapy, acessado em março 18, 2025, https://www.choosingtherapy.com/adhd-and-hypersexuality/

  15. Prevalence of sexual dysfunctions and other sexual disorders in adults with attention-deficit/hyperactivity disorder compared to the general population | Request PDF - ResearchGate, acessado em março 18, 2025, https://www.researchgate.net/publication/319239287_Prevalence_of_sexual_dysfunctions_and_other_sexual_disorders_in_adults_with_attention-deficithyperactivity_disorder_compared_to_the_general_population

  16. Compulsive sexual behavior - Diagnosis and treatment - Mayo Clinic, acessado em março 18, 2025, https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/compulsive-sexual-behavior/diagnosis-treatment/drc-20360453

 
 
 

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